O Globo - 21/03/2012 |
Uma base de apoio
assim, melhor não ter. É o que talvez esteja imaginando a presidente Dilma
Rousseff diante da enorme dificuldade que encontra a cada dia para manter
sob controle e minimamente afinada com os propósitos de seu governo a
enorme, heterogênea e, tem-se visto, pouco confiável aglomeração de
partidos que compõem aquilo que se convencionou chamar de maioria
governista no Parlamento. O episódio da troca dos líderes do governo no
Senado e na Câmara foi bem emblemático do espetáculo quase surreal que tem
sido oferecido ao distinto público toda vez que Executivo e Legislativo
discutem a relação, muitas vezes com o Judiciário formando a terceira
ponta do triângulo. Nas últimas semanas, todas as iniciativas do Palácio
do Planalto nesse assunto só têm feito piorar o quadro.
Afinal, o que está
acontecendo? O governo não tem, de fato, ampla maioria no Parlamento? Tem
uma maioria mais ampla do que aquela com que qualquer outro governo jamais
pode contar nesses quase trinta anos depois da redemocratização do País. A
atual maioria não é tão heterogênea e pouco confiável quanto aquela que
deu apoio ao presidente Lula, principalmente em seu segundo mandato?
Certamente, sim.
A diferença não está
no Congresso. Está no Palácio do Planalto. Lula administrou tranquilamente
a maioria parlamentar que ele próprio construiu graças a especialíssimas
habilidades políticas respaldadas por sólido apoio popular. Mas ele tem
tudo o que Dilma não tem: carisma, poder de sedução, malícia, paciência,
uma concepção um tanto ligeira dos fundamentos da democracia e uma enorme
capacidade de engolir sapos e fingir que não está vendo tudo o que é
melhor ignorar. Lula inventou Dilma, tornou-a sua sucessora, mas seus
poderes não chegam a ponto de conseguir transformá-la naquilo que ela não
é.
É natural, portanto,
que, ao herdar o modelo lulopetista de governar - do qual fez parte desde
sempre, como ministra -, Dilma esteja sentindo grande dificuldade para dar
continuidade ao pacto de poder construído por seu patrono. Mas isso não a
absolve dos erros que tem cometido e que se refletem negativamente no
governo. A óbvia obrigação de fazer a máquina do Estado funcionar implica
também estabelecer com o Congresso uma relação produtiva em benefício dos
interesses nacionais. E para se desincumbir dessa responsabilidade a chefe
do governo dispõe de muitos recursos, simbolizados por sua caneta.
É claro que a
ausência de uma incontrastável autoridade política como a de Lula estimula
as raposas aliadas a ousadias contra Dilma que jamais cogitaram de
praticar contra o ex-presidente. Insatisfeita desde a queda de Alfredo
Nascimento do Ministério dos Transportes, a bancada do PR no Senado mandou
um recado desaforado para o Planalto e declarou-se matreiramente na
oposição. Cada vez mais, a matilha de apetite voraz que controla o Senado
aumenta a pressão sobre Dilma. Cada vez mais, elevam-se as vozes de
rebeldia na bancada governista na Câmara. Não foi por outra razão que
Dilma deu bilhete azul para seus líderes no Senado, Romero Jucá, e na
Câmara, Cândido Vaccarezza. E tanto pelo que as duas substituições
significam em termos de alteração na correlação de forças no Parlamento
quanto pela maneira desastrada como foram operadas, o resultado foi o
agravamento da crise.
Por causa do clima
de revolta reinante no Congresso, adiaram-se votações urgentes e
relevantes, como a do Código Florestal e a da Lei Geral da Copa. É um
exemplo claro de como a baixaria política que Dilma não consegue controlar
pode afetar gravemente os interesses do País.
Não levará muito
tempo para Dilma descobrir que, na tentativa de impor sua autoridade com a
substituição das lideranças no Congresso, trocou seis por meia dúzia. Mas,
mesmo que tenha de assumir o risco de ver a situação piorar muito, antes
de melhorar, está mais do que na hora de a presidente da República, há
quase quinze meses no poder, decidir se vai começar a governar de fato ou
tornar-se definitivamente refém do fisiologismo e do
atraso.
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Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está passando inutilmente (Érico Veríssimo).
quarta-feira, 21 de março de 2012
O tempo escoa para Dilma
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