04 de abril de 2012 | 22h 30
Alana Rizzo, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA
- Durante a gestão da ministra Ideli Salvatti, o Ministério da Pesca liberou de
uma só vez R$ 769,9 mil - de um contrato de R$ 869,9 mil - para a organização
não governamental (ONG) de um funcionário comissionado do governo de Agnelo
Queiroz (PT-DF) implantar, no entorno de Brasília, um projeto de criação de
peixes que não saiu do papel.
André Dusek/AE
Terreno em Planaltina: em vez de tanques com
tilápias, uma plantação de mandioca
Trata-se
do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Integral da Natureza - Pró-Natureza,
do diretor da Codeplan Salviano Antônio Guimarães Borges. Segundo a
justificativa do projeto enviada ao ministério, o Distrito Federal, mesmo sem
haver estatísticas oficiais sobre o tema, tem grande consumo e produção de
peixes. Só que, 11 meses depois, nenhum viveiro foi instalado. Oficialmente, o
projeto da ONG terminou nesta quarta-feira, 4.
No
Núcleo Rural Rajadinha, em Planaltina (DF), a 40 quilômetros da sede do
ministério, mandiocas crescem no lugar dos tanques de tilápias.
“O
pessoal veio aqui uma vez no ano passado e ofereceu o projeto. Nós aceitamos e
eles não apareceram mais. Achei que tinham desistido, mas tem 15 dias que
voltaram e falaram que os tanques vão ficar prontos em julho. Parece que só
agora o projeto foi aprovado e eles vão receber o dinheiro”, relata o agricultor
Joami de Souza Ramos.
O
agricultor diz que nunca criou peixes, tampouco participou de cursos ou qualquer
atividade do projeto. Na chácara ao lado, incluída no rol de beneficiários do
ministério, também não há sinal de tanques.
Outros
moradores do núcleo confirmam que nunca participaram de capacitações. O único
viveiro no local é o de um sítio que está à venda e foi construído pelo próprio
morador, que ainda aguarda os peixes do projeto para começar a criação.
Documentos
apresentados pela ONG ao ministério e obtidos pelo Estado mostram que, antes mesmo de
receber qualquer recurso, a entidade pagou R$ 75,9 mil para a Rover Consultoria
Empresarial Ltda. elaborar um diagnóstico sobre a pesca no entorno. A nota
fiscal foi emitida em nome de Gabriel Miranda Pontes Rogério, um chef de
cozinha.
Sem
nenhum tanque pronto ou cursos ofertados, a Pró-Natureza solicitou em 28 de
outubro do ano passado, ao ministro Luiz Sérgio (PT-RJ), um aditivo de 16 meses
e mais R$ 224,7 mil.
Segundo
o ofício, os extras seriam para aprovação de novo cronograma. Pela proposta,
entre dezembro e fevereiro de 2012 seriam oferecidos os cursos de capacitação e
a obtenção das licença e outorgas para a construção dos viveiros; abril a julho,
período de construção e lançamento de edital para aquisição de material; agosto
e setembro, primeiro ciclo de criação de peixes; e janeiro e fevereiro de 2013,
término do primeiro ciclo dos peixes.
Em
22 de março deste ano, a ONG encaminhou novo ofício cobrando o aditivo
financeiro,agora do ministro Marcelo Crivella (PRB-RJ). No mesmo dia, o
superintendente da Pesca no DF, o militante petista Divino Lúcio da Silva, pediu
atenção especial ao projeto. O ministério chegou a alterar o nome do fiscal do
contrato, obrigatório nos convênios, para que o controle ficasse sob a
responsabilidade de Divino.
Segundo
a ONG, o projeto teria sido elaborado por Divino, indicado ao cargo pelo PT-DF,
e por outros representantes do Colegiado Territorial das Águas Emendadas
(Cotae). O grupo teria procurado a Fetraf, que levou o projeto à entidade. Esta,
por fim, o apresentou ao ministério.
Em
nota, o Ministério da Pesca informou que foram concluídas a realização do
diagnóstico, a seleção das famílias, a obtenção das outorgas de água e o curso
de tecnologia, além de parte do licenciamento ambiental e a impressão do
material didático. Afirma que nada impede que o superintendente seja o fiscal do
projeto. “Trata-se de um projeto com alcance social para o público de
assentamento e agricultores familiares do Território da Cidadania das Águas
Emendadas, composta por 11 municípios dos Estados de MG, GO e DF”, alega o
ministério.
Justificativa. Por meio de sua assessoria, Ideli
afirmou que o convênio com a ONG não foi firmado durante sua gestão. A execução
e a liberação dos recursos foram feitas pela ministra em cumprimento ao cargo
que ocupava. “Uma vez que não havia qualquer suspeição, a ministra não poderia
se negar a pagar o convênio, correndo o risco de responder por não cumprir os
compromissos firmados na gestão anterior”, diz sua assessoria.
A
reportagem tentou falar com Salviano, porém ele não respondeu. Um e-mail também
foi encaminhado à ONG, com perguntas sobre o convênio. Também não houve
resposta.
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